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sábado, 23 de julho de 2011

Insegurança no ar

Na última década, saltou de um milhão para seis milhões o número de passageiros que recorrem a aviões de companhias aéreas regionais para se deslocar pelo interior do país. São, em sua maioria, empresários, profissionais liberais, comerciantes e fazendeiros que, vivendo ou trabalhando em cidades médias – onde não atuam as empresas aéreas de maior porte –, precisam voar constantemente para grandes centros regionais. Só nos últimos cinco anos, essas empresas passaram a pousar em quarenta novos destinos, acompanhando a expansão do agronegócio e a exploração do petróleo. Atualmente, onze companhias regionais operam em mais de 140 municípios. Juntas, têm uma frota de 145 aeronaves e empregam 6.514 funcionários – sendo cerca de 1.000 pilotos. A expansão do setor, impulsionada pela estabilidade econômica, é a boa notícia. A má é que essas empresas, nem sempre, primam pela manutenção de seus aviões.

Os acidentes com aeronaves regionais representam a maior fatia entre os 49 que ocorreram nos últimos dez anos com aviões de transporte de passageiros, de táxi aéreo e de cargas, de acordo com levantamento da Flight Safety Foundation – fundação sustentada pelas companhias aéreas americanas que coleta dados sobre segurança aérea em todo o mundo.

No Brasil, de 2001 até a semana passada, foram doze acidentes com aviões de companhias regionais – em onze deles, as aeronaves foram completamente destruídas, matando 93 pessoas. O episódio mais recente, a queda do bimotor Let 410 da Noar Linhas Aéreas, em Recife (PE), causou a morte de dezesseis pessoas no último dia 13.

Para efeito de comparação, nos Estados Unidos foram registrados no mesmo período vinte acidentes. Em 2009, quando só houve uma queda, a frota regional americana somava 2.485 aviões e transportava 160 milhões de passageiros por ano.

As circunstâncias da queda do avião da Noar acenderam um alerta sobre as condições de segurança das empresas regionais de menor porte. Especialistas afirmam que essas companhias nem sempre fazem a manutenção adequada em suas frotas. Para Ivan Sant’anna, autor de dois livros sobre acidentes aéreos, é difícil para empresas com frota reduzida manterem a manutenção em dia. A lógica, segundo ele, é econômica. "Se vocêm apenas dois aviões e um fica no solo para manutenção, o faturamento cai pela metade", diz.

Entre os doze acidentes com regionais registrados, seis tiveram relatórios concluídos pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Destes, só não foram encontrados problemas de manutenção em um episódio, que não deixou vítimas, ocasionado por uma falha do piloto ao pousar na pista molhada do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2007.

No caso da Noar, agora investigado pela Polícia Federal (PF), a principal suspeita é de falha em um dos motores. O piloto alertou a torre sobre o problema menos de um minuto após a decolagem e testemunhas notaram que, enquanto o comandante tentava fazer um pouso forçado na praia de Boa Viagem, um dos motores não estava funcionando. A aeronave pendia sobre a asa direita. O piloto quase conseguiu evitar o acidente, mas o avião acabou se espatifando em um terreno baldio. Todos os ocupantes morreram na hora.

"Ele teve pouquíssimo tempo para reagir", observou Sant’anna. De acordo com os dados da Flight Safety Foundation, os 95 aviões do mesmo modelo da aeronave da Noar já acidentados eram, em sua maioria, operados por companhias pequenas em áreas de segurança precária na Rússia, África e América Latina.

Negligência - A revelação, feita pelo Fantástico, da TV Globo, da existência de um caderno paralelo ao diário de bordo do segundo avião da Noar reforça os indícios de negligência. No caderno, chamado de "revista interna" pela empresa, havia anotações da tripulação sobre falhas nos motores e defeitos no painel de comando no período entre 3 de novembro e 9 de julho. Pela legislação aeronáutica, tudo o que ocorre com a aeronave deve ser registrado no livro de bordo, que é o documento oficial a ser consultado por uma fiscalização da Anac.

A irregularidade gerou a suspensão da licença da empresa depois que o caderno paralelo foi entregue para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O piloto Rivaldo Cardoso, que depois acabou morrendo no acidente no Recife, chegou a enumerar cinco problemas em 18 de dezembro. Ele citou superaquecimento do motor, que só permitia decolagem com 60% da potência. Cardoso pediu providências.

Na última anotação, em 9 de julho, um piloto escreveu: “Urgente, atenção: um copiloto que voava como passageiro observou que a porta do trem de pouso esquerdo, que já se encontrava amassada, aparentava que ia se soltar em voo, inclusive dobrando para cima pela ação do vento”. Se chegasse a acontecer, um dos motores ou os dutos de combustível poderiam ser atingidos, causando um grave acidente.

De acordo com o delegado da Polícia Civil Guilherme Mesquita, que deu início às investigações, tudo indica que a Noar não cumpria as determinações da Anac. "As informações paralelas não eram transferidas para o livro de bordo. Parece uma prática sistemática". Ou seja, as queixas ficavam restritas à empresa e não passavam pelo crivo dos fiscais da Anac – que poderiam ordenar que o avião ficasse em solo até tudo estar em ordem.

Procurada, a Noar informou que o caderno foi furtado, que sua documentação estava em dia e que só vai se pronunciar sobre o caso após a Anac se manifestar oficialmente.

A responsável pela manutenção no Brasil dos modelos Let 410, de fabricação checa, é a Team, outra regional de pequeno porte que opera voos entre o Rio e Macaé, no norte fluminense. Em 31 de março de 2006, um Let da Team atingiu um morro no município fluminense de Rio Bonito, matando 17 pessoas. O relatório do Cenipa sobre o acidenet apontou que "os serviços de manutenção não eram adequados". A razão do acidente teria sido o descuido dos pilotos, que voavam a baixa altitude e sem visibilidade. "A cultura organizacional da empresa mostrou-se complacente por não inibir a adoção de procedimentos incompatíveis com a segurança de voo,como os voos à baixa altura realizados pelo comandante-instrutor", cita a conclusão do relatório.

A Team pertence ao coronel da reserva da FAB Mário César Soares Moreira, que é muito bem relacionado dentro da Anac. Carlos Pellegrino, presidente da agência, foi diretor de qualidade e treinamento da Team entre 2007 e 2008. Já David da Costa Faria Neto, superintendente de Segurança Operacional da Anac, foi diretor de manutenção da regional. Procurada, a Team não se manifestou.

Fiscalização - Problemas de manutenção não deveriam ser tão persistentes no Brasil. A Anac informa que existem 11.425 mecânicos credenciados no país. Destes, quase mil atuam nas regionais. Um número razoável, mas que, quando confrontado com a estatística, se mostra ineficiente. Para pilotos consultados pelo site de VEJA, o problema está na fiscalização: falta experiência para muitos checadores da Anac.

As regionais, apesar do crescimento, perdem das grandes companhias em faturamento. Não poderia ser diferente. Algumas apenas aguardam um lugar entre as grandes assim que alguém sair do páreo. Foi o que ocorreu no passado com a TAM, que assumiu a liderança que já foi da Varig. Um bom exemplo é a Trip, que voa para 78 cidades, tem uma frota de 44 turboélices modernos e 400 mecânicos em seu quadro.

O único acidente da Trip foi uma derrapagem em um pouso no Pará, em fevereiro deste ano. Ninguém morreu. "Voamos acompanhando o crescimento do Brasil”, diz Apostole Crissafidis, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Aéreo Regional (Abetar). Crissafidis entende que a fiscalização deve ser a mais rigorosa possível e defende os aviões que voam pelo interior. "Descemos em pistas curtas, com aviões que respondem melhor que os jatos. Fazemos o que os outros não fazem", diz. FONTE: VEJA ONLINE

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